O metro é o espaço mais democrático de Londres. Não existem privilégios. Salvo para as gestantes e para os idosos, a ordem de chegada é que define quão confortável será sua viagem. Assim, o CEO e o faxineiro da empresa, ou o oficial da imigração e o imigrante ilegal ficam lado-a-lado ou não poucas vezes, o desafortunado sentado, lendo o jornal e o privilegiado em pé, com o jornal dobrado debaixo do braço.
Quando vou para o inglês, pela manhã, o horário de pico já terminou. Não existem grandes problemas para ir até Oxford Circus sentado. Bem acomodado e escutando música, costumo observar os demais passageiros. A maioria são pessoas indo para o trabalho com cara não muito feliz e cutucando seus Blackberries.
Nas noites de faculdade, sou obrigado a enfrentar a hora do rush, para isso desenvolvi algumas técnicas de sobrevivência;
A primeira é sempre entrar no primeiro vagão. Além de ser o menos cheio, fica bem na saída da estação de Liverpool St. que é um mar de gente no horário que chego por lá. Dentro do primeiro vagão, procuro um lugar para sentar muito próximo de uma das portas, pois na saída, a quantidade de pessoas em pé se acotovelando é inacreditável.
Enquanto o trem não lota completamente, posso fazer minhas observações. Rostos diferentes me acompanham. Não tenho a sensação de ver as mesmas pessoas, exceto um cara gordo que senta, todas as noites, no assento ao lado da primeira porta do lado esquerdo. Ele sempre tem no colo os três jornais gratuitos do dia.
O seu hábito é fazer palavras cruzadas, para isso, ele apóia o jornal dobrado no antebraço esquerdo e com a mão direita vai colocando as letras. Desde o momento que entra no metrô até a saída em Liverpool St., pelos quarenta minutos de trajeto, o cara é capaz de terminar todos os diferentes jogos, dos três jornais.
O iPhone é outro companheiro de muitos usuários. Alguns jogam Tetris, outros assistem filmes e não faltam os Hamiltons da vida segurando o aparelho com as duas mãos, como se fosse a direção e pilotando seus bólidos. Não é incomum o corpo acompanhar os movimentos e fazer curvas juntos. É engraçado!
As caras fechadas da manhã dão lugar aos rostos cansados. As mochilas, pastas e bolsas, compartilham espaço com sacolas de supermercado. Quase ninguém fica mandando e-mails ou checando as mensagens. Suas cabeças já estão desconectadas do trabalho.
Na quinta-feira, cheguei no tube atrasado. Por incrível que pareça, peguei um trem vazio. Não haviam mais do que dez pessoas, meu amigo das palavras cruzadas não estava lá. Assim, me sobraram poucas opções para observar. Por motivos óbvios, não havia como não reparar na linda moça sentada bem na minha frente.
Tinha belos olhos azuis que brilhavam. O restante do rosto e um sorriso, que teimava em não sair de seus lábios, denunciavam a paixão. Apoiado no colo um caderninho de anotações e na mão uma caneta que desenhava corações e mais corações. Era a prova material do sentimento. Ela desceu em Bond Street, e nunca saberei se estava indo ver a pessoa amada ou voltando.
Na semana que vem, a maioria dos protagonistas de minhas observações serão outros. Firme e forte, só o cara das cruzadas e eu que, ao invés de procurar letras, procuros rostos.
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