quarta-feira, 24 de março de 2010

O Jornalismo - Comédia do CQC


O programa CQC fez uma matéria considerada por muitos como um exemplo de jornalismo-denúncia-contra-a-bandalheira-que-assola-essa-república-das-bananas. Eu não gostei e vi lá: 1) uma pitada de ilegalidade, 2) uma porrada de covardia e, principalmente, 3) a exacerbação de um sentimento muito preocupante, que os Datenas da vida estão cultivando: a vontade de se vingar, de destruir, de humilhar as pessoas. Desculpem, mas isso não é, nem de longe, a justiça que uma sociedade desenvolvida deveria almejar. Em suma, é o tipo de reportagem que não ajuda, só estereotipa o funcionário público como um pilantra safado.

Resumindo: o CQC fez uma importação” de um quadro da matriz argentina, entregando uma TV LCD para a Secretaria da Educação de Barueri. Essa TV tinha um GPS acoplado, e a reportagem ficou três meses acompanhando o roteiro dela. Até que, “um belo dia”, ela foi encontrada na casa de uma servidora da escola onde o bem deveria ter sido entregue.

1) A pitada de ilegalidade: segundo cansativas pesquisas no Código Penal e Jurisprudência correlata, colocar um GPS na TV esperando o malandro cair em tentação é o chamado flagrante preparado, inválido como meio de prova. Portanto, se você é daqueles que quer ver os corruptos na cadeia, pode excluir o CQCcomo seu aliado de luta, pois suas denúncias bombásticas de nada valem perante o homem-da-capa-preta. Montar casa-de-caboclo não é fazer justiça, é justiçar.

2) a porrada de covardia: se o flagrante é preparado e nada vai ocorrer com o meliante, não há nenhum serviço de utilidade pública sendo prestado. Eles estão, com suas imagens, repórteres e equipamentos, apenas fazendo coro com você quando diz que us pulíticu é tudo ladraum i us funcionário público é um bandu di safado. Só que você, quando diz isso na mesa do boteco, generaliza e coisa e tal. No caso da reportagem, a funcionária foi filmada diversas vezese sob diversos ângulos, foi ridicularizada com aquelas coisinhas de computação gráfica, perseguida em casa (a casa dela foi filmada, o carro também). Quando estourou o bafafá ela pediu demissão, afinal o clima ficou ruim pra ela. Jogou fora um emprego por causa de uma TV. Burra, né? É. Quem nunca levou um bolinho de papel A-4 da firma“pro filhão desenhar” que atire a primeira pedra. Sorte sua que o papel não foi “doação” do CQC.

Agora todo mundo sabe quem rouba TV LCD em Barueri, ótimo! Moralidade, já! Vamos aos envolvidos e o saldo da operação: o poder público está de posse do bem; o CQC bateu recorde de audiência. E a “Mariazinha ladra de bem do estado”, aquela pilantra? Tá lá, escondida na casa dela, sem emprego e sem TV, provavelmente sendo zoada pelos vizinhos. Bem feito, quem mandou? OOOPA!

3) Todo crime merece castigo. E o castigo, no nosso sistema penal, procura ser proporcional ao dano causado. Aqui não tem vendetta, ou não deveria ter. Essa moça vai ser, provavelmente, crucificada na praça da matriz de Barueri, por ter cometido o chamado crime de experiência. Que o Ministro Nelson Hungria definiu:

"no caso do flagrante preparado ocorre um crime de ensaio ou de experiência, sendo que os protagonistas participaram, na verdade, de uma comédia."

Isso é o jornalismo CQC. Jornalismo-comédia, que a muitos encanta, mas que a ninguém presta serviço.

2 comentários:

Unknown disse...

Quem foi o sem noção que escreveu essa opinião?

Ainda defende os políticos e os funcionários públicos envolvidos?

Só pode ser "padrinho" de algum deles.

De que outra forma se consegue mostrar e denunciar uma ilegalidade (que são muitas por sinal) neste país, se não com reportagem e invertigação?

Tá certo que é moça não merece pena de morte também, mas algum tipo de punição ela tem que ter.

É só no Brasil que acontece essas coisas mesmo!

Tito disse...

Caro Leandro, acho que você não entendeu o espírito da crítica.

O que foi questionado é o espírito da reportagem. O espetáculo circense e a forma como a matéria foi forjada.

Respeito sua opinião e o fato de você acreditar que as coisas possam ser mudadas através de reportagens e denúncias, mas não creio que o caminho seja o do CQC.

Não é reforçando o estereótipo de que político é funcionário público é sempre safado que a ordem das coisas será outra.

Abraço