O Patê da Sadia
Por Marco Mello, em DoLaDoDeLá
Início dos anos dois mil. Redação novinha, recém inaugurada pelo presidente da República. Aliás, foi a primeira vez que vi um congestionamento de helicópteros. Chique, não acham? Um maior do que o outro. O do governador era enorme e o dos patrões novinho em folha. Ainda tinha o do jornalismo, com câmeras operadas por controle remoto. Mas chique mesmo é o que vou contar agora. Trabalhava como editor-coordenador em São Paulo daquele que já foi o mais importante telejornal matutito do país.
Pulava da cama às três e meia da manhã para assumir meu posto uma hora mais tarde no "Shopping Center da Notícia", que foi como os colegas apelidaram o prédio novo. Havia um clima de entusiasmo no ar. Fazíamos parte de uma equipe vitoriosa, qua acabara de faturar os mais importantes prêmios da televisão brasileira. Os índices de audiência do jornalismo não poderiam ser melhores. Pela primeira vez não dependiamos do entretenimento para alavancar nossos índices. Que fase! Mas não era sobre isso que queria falar.
Queria contar um pouco sobre o telejornal em que trabalhava. Era o preferido do diretor da central de jornalismo. Diz a lenda que ele não saia de casa sem assistí-lo e era comum ele telefonar para o switcher fazendo críticas e elogios à editora-executiva, que virou vaga, depois que se recusou a dar uma entrada ao vivo do Rodrigo Vianna na missa do Padre Marcelo. Era um jornal charmoso, com apresentador poliglota, apresentadora sex simbol, quadros especiais, cinegrafistas caprichosos, acabamento de primeira. Reportagens sobre artes, culinária, música clássica! As manchetes dos principais jornais do mundo, alguns impronunciáveis, como os alemães.
O editor-chefe e apresentador era um sujeito que podemos dizer cheio de idiossincrasias. Expert em vinhos, tirava férias só para ir à Europa ouvir concertos. Quase um aristocrata. Detestava acordar cedo como outros mortais, mas não tinha escolha. Dividia o tempo entre o telejornal e à confraria e os negócios etílicos. A economia cambaleava, mas todos acreditavam que não haveria desvalorização do Real, principalemente ele, amparado pela comentarista de economia, que tinha trânsito privilegiado no Planalto. Mas a desvalorização chegou, logo depois da banda exagenal endógena (endo, o quê?).
Isso mesmo! Da noite para o dia, o mundo de sonhos do apresentador ruiu e a empresa, que devia em dólares, quase foi à ruína. Virou refém dos credores e dizem até que o reluzente helcóptero teve que ser vendido, pobrezinhos... Como chegar à ilha de Angra? De iate? Que coisa de pobre! Mas voltando ao apresentador. Ele começou a reunião daquele dia arrasado. Dizia que seus planos tinham ido por água abaixo e que não sabia mais o que fazer. Eu não perdi a piada. Apertei o botão da teleconferência e disse: - É simples, de agora em diante patê só da Sadia e vinho Forestier. - Nunca! Respondeu ele do outro lado, levando os colegas às gargalhadas. Acho que apesar da minha ironia, ele gostava de mim. Afinal, eu tinha assistido Meu tio, uma comédia de Jacques Tati, um dos cineastas preferidos dele. Bons tempos aqueles. Era mais ingênuo e achava que manipulação era teoria conspiratória...
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