segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um longo post para refletir ...

Uma coletânea ctrl + C, ctrl + V de textos para ler e pensar:

O bota-fora do Amato em 89, e a coalizão lulista hoje

Por Rodrigo Vianna, via Escrivinhador

Dia desses, eu escrevi aqui que a oposição cerrada a Lula (e a Dilma) não vem dos grandes capitalistas.

Essa talvez seja uma diferença importante em relação a 64. Naquela época, como hoje, a coligação reacionária envolvia “grande imprensa”, latifundiários, Igreja e classe média que marchava com Deus e pela Liberdade. Naquela época, os empresários (grandes e pequenos) estavam apavorados. Havia a Guerra Fria e o fantasma do “comunismo”.

O velho partidão (PCB) acreditava numa ilusória aliança com a “burguesia nacional”, para sustentar Jango e as reformas. Mas a burguesia tinha outros planos, e implorou pelo golpe – que veio.

Saltemos 20 anos. Na década de 80, no PT, o grande debate era: como atrair a “classe média” e os pequenos empresários para a coligação de esquerda.

O petismo (e eu acompanhava bem de perto esse debate) acreditava que, pra governar, era preciso agregar, aos setores mais organizados da classe trabalhadora (sindicatos, associações de bairro, estudantes, CEBs etc), as tais “camadas médias urbanas”.

Em 89, essa aliança não ocorreu. Lula teve no primeiro turno os votos dos “setores organizados”. No segundo, ganhou parte da “massa desorganizada”, ou do “lúmpen” (como, de forma arrogante, alguns petistas se referiam ao povão das periferias), graças ao apoio decisivo de Brizola – transferindo “todos” os votos no Rio e no Rio Grande do Sul.

O grande empresariado também fugiu de Lula e do PT. Mario Amato, da FIESP, falava que milhares de empresários iriam embora do país se Lula ganhasse. O que levou alguns amigos gaiatos, da USP, a organizar uma grande festa entre o primeiro e segundo turno: foi o “bota-fora do Mario Amato”, na casa do Pedro e do Álvaro Puntoni (QG das “nossas” grandes festas naquela época em São Paulo).

Em 94 e 98, empresários e classe média ficaram com os tucanos. Além de boa parte do povão “desorganizado”, que fora favorecido pela estabilidade do Real.

Pois bem. Em 2002 e 2006, Lula conseguiu uma aliança que não tem nada a ver com as “tradições petistas” de “agregar a classe média”.

Lula fez uma aliança inesperada, incluindo “setores organizados”, povão desorganizado e o grande empresariado.

A classe média ficou fora. E continua de fora.

É ela que baba de raiva nas “correntes da internet”, e nas ruas e bares paulistanos, cariocas e gaúchos. Essa classe média não suporta olhar para a cara de Lula, o “nordestino dos 4 dedos”.

E o grande empresariado? Esse vota com o bolso.

Pensei em tudo isso ao ler o artigo de Emilio Odebrecht, que me foi enviado por uma boa amiga jornalista, dessas que trabalham na “grande imprensa”, mas sabe muito bem que não é “sócia” dos patrões (nem nos lucros, nem no pensamento).

O artigo do Odebrecht expressa a perplexidade de um grande empresário diante de uma imprensa que caiu no gueto. Uma imprensa que fala (só) para essa classe média raivosa que parece não gostar do Brasil, uma imprensa que não reconhece os avanços do país.

O artigo de Odebrecht (a quem conheço só de nome) é o símbolo dessa estranha (mas efetiva) aliança lulista: “classe trabalhadora organizada”, “povão desorganizado” e “grandes capitalistas”.

Quem está fora da “grande coalizão” é a classe média, associada aos ruralistas e aos donos da mídia. Essa base votará em Serra aconteça o que acontecer.

O nó para Serra é: como atrair parte dos lulistas sem desagradar à direita que baba na gravata?

Isso é problema do Serra.

21 anos depois daquela eleição (vencida por Collor, no fim das contas), a gente não poderia mais organizar “bota-fora” pro presidente da FIESP e pros grandes empresários.

Em 89 era tudo mais divertido. Mas, em 2010, temos um país mais sólido.

Apesar dessa turma que baba na gravata de tanta raiva. Pra espanto seu, meu. Pra espanto, também, do Emílio Odebrecht.

A IMPRENSA E O NOVO BRASIL – por Emílio Odebrecht

No final do ano passado, a revista "The Economist" brindou-nos com uma matéria de capa cujo título era: "O Brasil decola". A reportagem chama nosso país de maior história de sucesso da América Latina. Lembra que fomos os últimos a entrar na crise de 2008 e os primeiros a sair e especula que possamos nos tornar a quinta potência econômica do globo dentro de 15 anos.

Não é apenas a revista inglesa que vem falando dos avanços aqui obtidos nos campos institucional, social e econômico nas últimas décadas. Somos hoje referência no mundo e um exemplo para os países em desenvolvimento, vistos como uma boa-nova que surge abaixo da linha do Equador.

Diante disto, me pergunto se a imprensa brasileira está em sintonia com a mundial -que aponta nossos defeitos, mas reconhece nossos méritos.Tal dúvida me surge porque há um Brasil que dá certo e que aparece pouco nos meios de comunicação. Aparentemente, o destaque é sempre dado ao escândalo do dia.

Isso deixa a sensação de que não estamos conseguindo explicar aos brasileiros o que a imprensa internacional tem explicado aos europeus, norte-americanos e asiáticos.

Tornar públicas as mazelas é obrigação da imprensa em um país livre. Mas falar somente do que há de ruim na vida nacional, dia após dia, alimenta e realimenta a visão negativa que o brasileiro ainda tem de si.

Se as coisas por aqui caminham para um futuro mais promissor, é porque, em vários âmbitos, estamos fazendo o que é o certo.

Para líderes políticos, empresariais e sociais dos países que precisam encontrar o caminho do progresso, conhecer nossas experiências bem sucedidas pode ser o que buscam para desatar os nós que ainda os prendem na pobreza e no subdesenvolvimento.

O fato é que, ficando nos estreitos limites do senso comum, a sensação é de que a imprensa, de uma forma geral, considera o que é bem feito uma obrigação -não merecedor, portanto, de ocupar espaços editoriais, porque o que está no plano da normalidade não atrairia os leitores.

Ocorre que o que acontece aqui, hoje, repercute onde antes não imaginávamos. Por outro lado, há uma mudança cultural em curso na sociedade brasileira e a imprensa tem um papel preponderante nesse processo.

O protagonismo internacional do Brasil e nossa capacidade de criar novos paradigmas impõem que a boa notícia seja tão realçada quanto são os fatos que apontam para a necessidade absoluta de uma depuração de costumes que ainda persistem em nossas instituições.

-Dentre os comentários feitos ao post original, eu destaco o de Murilo Costa:

Caro Rodrigo, Pertima-me um retoque ao seu artigo: O Governo Lula e o Presidente não teriam a aprovação que têm se parte da classe média não também compusessem a tal "grande coalizão". Creio que a parcela da classe média a que você se refira seja aquela que gosto de chamar de mazombos: não reconhecem o Brasil como sua pátria e sentem-se fora de lugar, tendo sempre como ideal aquilo que é produzido na "metrópole". O artigo "O brasileiro, o mazombo e o poeta da Vila" (http://www.consciencia.net/2004/mes/14/francisvale-brasileiro.html), de Francis Vale, resume bem o sentimento dessa turma. Existem amplos setores da classe média que creem sinceramente na possibilidade de montarmos um País mais solidário e soberano, com indicadores de desenvolvimento humano que, se não ideais, mais dignos. Estou certo de que estes estão entre os aprovadores do Governo Lula e merecem não ser misturados com a classe média mazomba, cuja mentalidade ainda é da era colonial.

Abraços.

Murilo Costa Salvador/BA

-Muito boa a sugestão do Soteropolitano leitor:

O brasileiro, o mazombo e o poeta da Vila
Por Francis Vale, via Caros Amigos, 26 de novembro, 2004

Uma campanha publicitária do Governo Federal repete que "O Melhor do Brasil é o Brasileiro". Há quem conteste a frase. E com todo o direito. Optei (sem trocadilhos) por defendê-la.

Porque entendo que a melhor coisa que essa natureza exuberante produziu foi esse povo maravilhoso. Um povo que consegue sobreviver milagrosamente com um salário mínimo de duzentos e sessenta reais por mês, quando não é desempregado ou sub. Um povo que sobrevive sob o peso de dezenas de tributos e multas que beiram o confisco. Um povo que, mesmo assim, orgulha-se ao afirmar que temos o melhor carnaval e o melhor futebol do planeta. Um povo que vibra com o sucesso de nossos atletas, artistas e pensadores pelo mundo afora. Esse é o povo brasileiro. Ou simplesmente, o brasileiro.

Do meio desse povo, emerge uma camada especial, que se julga acima dos comuns mortais, a verdadeira nata social, que entende ser o Brasil um caso sem jeito."Tudo dá errado nesse país, desde Pedro Álvares Cabral. Na carta de Caminha já há indícios do que iria acontecer." Ao tipo integrante dessa camada a "molecagem" apelidou de mazombo, numa referência à designação depreciativa que os brasileiros davam aos filhos de portugueses aqui nascidos, mas educados em Portugal, lugar por eles exaltado como se fosse a verdadeira pátria. Pois bem. Os mazombos começaram a atacar a campanha de exaltação ao brasileiro. Tem até um escriba bem remunerado de uma dessas revistonas aí que afirmou ser o brasileiro uma invenção de Getúlio Vargas, razão pela qual não existiria enquanto povo. Lógico, o povo que ele queria aqui era outro: louro dos olhos claros e de elevada estatura física. Esse povinho caboclo que fala "grobo" e "framengo" ele não quer saber.

O mazombo tem como sonho maior passear em Miami, depois de adquirir um carro importado do ano, com o qual vai se exibir nas cidades interioranas e é obrigado a trazê-lo rebocado de volta para a Capital, quando quebra, por absoluta ausência de assistência técnica. Aí diz que a culpa é do governo que ainda não obrigou as montadoras a instalarem uma rede de concessionárias em todos os municípios do país. Tudo que o mazombo admira e gosta está ou vem do exterior."No Brasil, não tem museu que preste. Museu é O Louvre" O mazombo diz isso sem jamais haver visitado um museu de sua terra. "Brasileiro não sabe fazer cinema. Por isso não conquista o Oscar". O mazombo assistiu a uns dois filmes nacionais e tirou essa conclusão. Para o mazombo, o Brasil só deveria produzir matéria- prima para a exportação. "Cultura para a exportação é a de soja. Música, literatura, cinema e teatro não dá. A língua portuguesa não ajuda."

Para conhecer um mazombo é suficiente saber se ele conhece e detesta a música "O Cinema Falado", de Noel, que deixou como marca um verso de outra canção: "A vila não quer abafar ninguém/ só quer mostrar que faz samba também".

Francis Vale é advogado e diretor cinematográfico

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